Dançando com Privacidade
Quando até um Projeto de LGPD sai mais caro para mulheres
Vamos imaginar uma cena:
Uma profissional luta diariamente para se afirmar e destacar em um mercado de trabalho que, como todas sabemos, ainda é estruturalmente machista.
Ela tenta impor respeito, mostrar que é tão inteligente e capaz quanto os outros colegas de profissão e provar que é muito mais do que só um “rostinho bonito”.
Mas, numa terrível tarde, descobre que vazou na internet um vídeo em que aparece rebolando para a câmera durante as suas aulas de Funk.
Ao invés de parecer diante de todos como uma pessoa desinibida e engraçada que apenas pagou um mico (como provavelmente seria o caso de um homem), ela vai ser vista como uma depravada, vai ser descredibilizada e obviamente assediada. Todos os anos em que ela trabalhou, estudou, se dedicou, lutou por respeito, vão ser manchados por 30 segundos de rebolado.
Mês passado conversei sobre isso com uma professora de dança:
“Durante a pandemia, as aulas passaram a ser online. Pra quem faz sapateado, ballet e até stilleto, é bem mais tranquilo, quase ninguém pergunta sobre a segurança das imagens. Mas, com as aulas de funk ficou muito mais difícil. Eu uso o Zoom pra dar as aulas, e as mulheres tem tido muito medo de ter um vídeo vazado! Vejo que a preocupação delas é muito maior sobre o que os colegas de trabalho vão pensar, por exemplo, do que os pais; e tenho perdido muitas alunas por causa disso. Elas só querem rebolar com privacidade!”
E eu, que trabalho com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), já estava pensando em dicas de como deixar as alunas mais seguras, em como fazer uma boa implementação das normas, até que cheguei em um empasse:
Há muito tempo vejo discussões sobre dados pessoais x direito de imagem: alguns acham que imagem é dado pessoal comum, outros acham que imagem é dado pessoal sensível.
(lembrando que dado pessoal sensível é todo aquele que pode causar algum tipo de descriminação, tá? sobre o gênero, religião, raça, opinião política, etc)
Sou do time que acredita que uma imagem por si só é um dado pessoal comum; mas, caso ela demonstre algo que possa gerar um tratamento discriminatório, torna-se automaticamente um dado sensível.
O problema aqui está no fato de que mês passado a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) emitiu uma regulamentação facilitando o processo de adequação à LGPD para agentes de tratamento (profissionais) de pequeno porte, exceto para os que tratam dados sensíveis e dados de grupos vulneráveis, etc. Essa facilitação se encontra na desobrigação de ter um encarregado de dados, em ter prazos maiores, entre outros benefícios.
A professora que deu o depoimento à cima, como é uma microempreendedora individual (portanto, uma agente de tratamento de pequeno porte), ficou muito feliz quando divulgaram essa notícia! Pois, com todas essas facilidades, ela poderia trabalhar em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados, com menos burocracia e menos gastos.
Mas, será que essa felicidade durou muito tempo?
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